sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A Cólera de Botero


"É impossível haver progresso sem mudanças, e quem não consegue mudar a si mesmo não muda coisa alguma."

George Bernard Shaw



Lá em casa estavam doentes, teimosamente as maleitas não passavam. Não havia medicamento, rezas, bênçãos que afastasse aquele sofrimento, arrastado, dorido.

Eram apáticos,ela mais do que ele,ela era inerte, como se por fora fosse uma árvore e por dentro a seiva ardente rodopiava sem sentido, com força e sem orlas que a contivessem.

Ele, menos contido, a mágoa de não saber onde estava, levava-o a vociferar palavras sem nexo, em delírio pelo seu estado febril que inibia a sua liberdade de pensar. A dependência à excitação e às subordinações que não controlava tornavam-no insarável.

Não se tocavam, o medo da contaminação era maior que o Amor!

Por vezes absortos, descuravam os seus males aproximavam-se receosamente, como se fossem descobrir o princípio da cura. Exíguos momentos de puro desacerto, mas tão desejados tão ansiados que se fracassados eram silenciados. Não havia palavra nem gesto, nem empenho, era mais um fim de um princípio que não existia.

Ontem estavam doidos de desejo, ali mesmo na sala, já cansados que o filme tinha sido longo e enfadonho.

Corpos enroscados, ávidos, húmidos, harmónicos, arrebatados, como se fossem um só.

O Amor e o Corpo unidos em suspiros de êxtase como se o tempo tivesse parado e fosse todo deles, apreenderam a eterna sensação sem opressão de princípio e fim. Tinham conhecido a perenidade do Amor da rendição mútua e superior.

Com o braço, ela quis chegar-lhe mais longe, esticou-o e foi-lhe afagando as costas, com um movimento mais amplo tocou na mesa, sentiu a superfície fria e abriu os olhos.

Na penumbra viu uma figura bizarra, rosada, carnavalesca, estátua de Botero feita humana, que tinha o olhar fixo, obsceno, triunfante, malévolo.
Ela estremeceu, a sua sofreguidão tornou-se em agitação, a humidade do corpo em suores frios.

Acordou, afinal tudo não passara de um sonho! Um sonho maravilhoso com um pérfido final.

Levantou-se, vestiu o roupão, sentou-se no sofá e acendeu um cigarro.

Ele, como habitual, sem palavra nem gesto, foi comer uma maçã e sentou-se ao computador. Dizem que foi trabalhar.

Ela voltou a sentir a seiva sem contenção, ferida, descontrolada, sem saber se era noite ou dia.

Mas também o que é que isso interessa?




Sem comentários:

Enviar um comentário