quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

ADEUS


Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
E o que nos ficou não chega
Para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastámos as mãos à força de as apertarmos,
Gastámos o relógio e as pedras das esquinas
Em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
Era como se todas as coisas fossem minhas:
Quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
Porque ao teu lado
Todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
Era no tempo em que os meus olhos
Eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
Uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
Já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
Tenho a certeza
Que todas as coisas estremeciam
Só de murmurar o teu nome
No silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”




sábado, 9 de fevereiro de 2013

Espelho, Espelho meu, quem é mais dependente que eu?


Espelho, Espelho meu, quem é mais dependente que eu?

 Na  geração dos meus Pais e no meio em que cresci, uma mulher fumar era natural, muitas das amigas dos meus Pais, Tios fumavam. Também frequentavam espectáculos, Ballet, Teatro, Cinema, Exposições com muita frequência.

Pela sua formação, o meu Pai convivia com Artistas e gente com muita sensibilidade estética.
Saiam à noite em casais e eram impensável que uma senhora pedisse uma Coca-Cola.
Vivia num ambiente nada provinciano e conservador.

As mulheres encontravam-se para lanchar, trabalhavam, tinham vida própria.
A minha Mãe tem 79 anos e fuma.

Eu fumo e bebo, fumo onde me deixam e bebo quando posso.

Uma das coisas que me dá muito prazer é estar sentada a uma mesa com um grupo de amigos, com um copo de uma boa bebida e uma boa conversa.

Não bebo as bebidas das senhoras (doces) fazem-me mal. Gosto de um bom vinho e de uma imperial bem tirada com um prato de tremoços.

Há gente que dizem que eu sou cheia de adições (esta palavra que agora apareceu adaptada directamente do inglês, como a linguagem cibernética e que quer dizer dependências)

Realmente a “escravatura” em relação ao cigarro não tem piada nenhuma, esta obsessão, como qualquer dependência, não me faz bem nenhum…..mas lá vou ironizando com argumentos inúteis sobre os benefícios do hábito.

Bebo quando me apetece e me dá prazer não perturbando a minha vida nem a saúde. Nenhuma alcoólica é Educadora de Infância há 34 anos fora os cargos que desempenhei.

Gente conservadora, cheia de preconceitos, ignorante e que tem a província dentro da alma.

Gente que nunca se preocupou em saber o que é uma dependência, porque existem e quais existem.
Não invento nada, mas a ciência tem muito a dizer sobre o assunto.

Era comum falar-se de vícios, - Drogas, Substâncias Estimulantes, Substâncias Depressoras, Substâncias Alucinogénias, Substâncias Lícitas, Álcool, Jogo.

Hoje conhecem-se estudam-se mais depências ; Co-depência, Problemas alimentares e Manobras purgativas, Anorexia Nervosa Restritiva, Anorexia Nervosa Bulímica, Jejum Provocado, Manobras de Privação, Medo de Engordar, Má Nutrição.

Cada vez mais as dependências tomam novas formas. O ser humano assume com facilidade comportamentos que repete de um modo extremado e descontrolado, preenchendo critérios de dependência psicológica. Estamos a falar de dependências sem recurso a substâncias químicas, mas que assumem papéis dominantes na vida dos indivíduos.

Em todos estes exemplos, o indivíduo sente que dedica uma importância extrema a algo de que não consegue abdicar. Outras vezes o próprio não se apercebe, mas a exigência para satisfazer essa "vontade" passa a ser o centro da sua vida, ultrapassando a noção de razoabilidade e controlo do próprio sobre o seu comportamento.

O problema é que todos estes comportamentos ocupam o centro das atenções de vida para essa pessoa. A própria não consegue controlar o comportamento, sentindo que é invadida por um forte impulso para o repetir, existindo mesmo sofrimento pela ausência da repetição.

Por vezes, a pessoa não admite, perante si e perante os outros, que isso constitui um problema, mas ao longo do tempo percebe que já não apresenta o mesmo prazer inicial, ou que já não lhe basta. O maior ou menor sofrimento do indivíduo perante a situação de dependência, de entre outros factores  depende também da consciência da mesma.

Mesmo sem enumerar as explicações psicológicas, biológicas ou sociológicas que explicam esta problemática, permitam-me referir que problemas deste tipo nos remetem para a existência de dificuldades na relação do indivíduo consigo próprio, e/ou com os outros. Permitam-me ainda sublinhar que a sua gravidade está associada à precocidade dessa "relação de dependência" e que quanto menos instalada a situação, menos "danos" terá provocado na vida da pessoa, daí que a procura de ajuda técnica se deva fazer o quanto antes.

Relacionamento de dependência, personalidade dependente.

A Co-dependência é um tipo de patologia emocional/afectos e de relacionamentos.
De inicio, a descrição deste quadro incluía apenas famílias de pacientes alcoólicos, mas com o tempo, abrange membros de família (ex. mãe, pai, irmã ou irmão, avó ou avô, etc.) onde um dos seus apresenta dependência a substâncias psico-activas (adictivas) lícitas, incluindo o álcool e/ou ilícitas, problemas com o Jogo e em alguns casos, dependentes do sexo e do trabalho (workaholics).

A Codependência está associada a varias formas de abuso físico, emocional e em alguns casos sexual. Indivíduos cujas necessidades foram negligenciadas ao longo do seu desenvolvimento.

A maioria dos Co-dependentes sente uma atracção (necessidade em criar um vínculo afectivo) por indivíduos que aparentam, na perspectiva do Co-dependente, necessitar de ajuda; ex. carentes, dependentes, rejeitados, estigmatizados (vítimas de injustiça) e /ou impulsivos.

Caracteriza-se por:
-Baixa auto-estima e distorção cognitiva;

-Incapacidade de estabelecer de limites saudáveis nos relacionamentos de intimidade e de compromisso;

-Incapacidade em reconhecer e compreender a sua própria realidade (negação, racionalização e ilusão);
-Incapacidade de assumir a responsabilidade em gerir as suas necessidades quando adultos (atitudes, emoções e comportamentos);

-Tolerância desmedida à dor, à impotência, à rejeição, à agressividade (sem limites);


-Evoca o amor e a paixão para se aliar a parceiros/as onde a relação é baseada em jogos psicológicos e controlo.


-Incapacidade de identificar e expressar emoções dolorosas de forma moderada e ou construtiva (ex. raiva, ressentimento, medo, culpa e vergonha).

-Incapacidade de tolerar a separação, o luto, divórcio ou a frustração dos outros. Preocupação desmedida com aquilo que os outros fazem ou dizem; dependente da aprovação dos outros de forma a criar a sua própria identidade e auto conceito.

Também:

A) Seja o modo como se utiliza os telemóveis, a Internet, as redes sociais - que parecem facilitadoras da comunicação, mas que desvalorizam a proximidade interpessoal.

B) Sejam as compras supérfluas, tantas vezes na origem de descontrolo financeiro, mas cuja repetição parece impossível de travar.

C) Seja o trabalho que passa a ser a única actividade que ocupa - o pensamento e as acções, sendo prioridade sobre todos os outros interesses e ocupações, trazendo à mistura uma sensação estranha de que não se consegue parar.

D) Seja no campo das relações humanas de intimidade, nos exemplos de procura incessante e troca constante de parceiros sexuais, com vista ao prazer sexual, ou pela procura desesperada de uma relação de intimidade e proximidade.

E) Seja nas utilizações perturbadas com a comida, ou no recurso exagerado ao ginásio, entre outros.al. Se o parceiro está alegre, tudo está bem.
Eu, mulher da psicologia e psicanalisada, (como dizem os brasileiros), só tenho uma dependência – O tabaco

Sempre fui autónoma, não dependo de ninguém, nem afectivamente nem economicamente.
Respeito os outros e não lhes ando a inventar e apontar problemas de personalidade.

E a minha experência de vida deu-me a capacidade de olhar para “olhar para dentro de mim”.
O meu espelho não está partido.

Por isso não me chateiem ……e vão-se tratar!!!!!



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A Cólera de Botero


"É impossível haver progresso sem mudanças, e quem não consegue mudar a si mesmo não muda coisa alguma."

George Bernard Shaw



Lá em casa estavam doentes, teimosamente as maleitas não passavam. Não havia medicamento, rezas, bênçãos que afastasse aquele sofrimento, arrastado, dorido.

Eram apáticos,ela mais do que ele,ela era inerte, como se por fora fosse uma árvore e por dentro a seiva ardente rodopiava sem sentido, com força e sem orlas que a contivessem.

Ele, menos contido, a mágoa de não saber onde estava, levava-o a vociferar palavras sem nexo, em delírio pelo seu estado febril que inibia a sua liberdade de pensar. A dependência à excitação e às subordinações que não controlava tornavam-no insarável.

Não se tocavam, o medo da contaminação era maior que o Amor!

Por vezes absortos, descuravam os seus males aproximavam-se receosamente, como se fossem descobrir o princípio da cura. Exíguos momentos de puro desacerto, mas tão desejados tão ansiados que se fracassados eram silenciados. Não havia palavra nem gesto, nem empenho, era mais um fim de um princípio que não existia.

Ontem estavam doidos de desejo, ali mesmo na sala, já cansados que o filme tinha sido longo e enfadonho.

Corpos enroscados, ávidos, húmidos, harmónicos, arrebatados, como se fossem um só.

O Amor e o Corpo unidos em suspiros de êxtase como se o tempo tivesse parado e fosse todo deles, apreenderam a eterna sensação sem opressão de princípio e fim. Tinham conhecido a perenidade do Amor da rendição mútua e superior.

Com o braço, ela quis chegar-lhe mais longe, esticou-o e foi-lhe afagando as costas, com um movimento mais amplo tocou na mesa, sentiu a superfície fria e abriu os olhos.

Na penumbra viu uma figura bizarra, rosada, carnavalesca, estátua de Botero feita humana, que tinha o olhar fixo, obsceno, triunfante, malévolo.
Ela estremeceu, a sua sofreguidão tornou-se em agitação, a humidade do corpo em suores frios.

Acordou, afinal tudo não passara de um sonho! Um sonho maravilhoso com um pérfido final.

Levantou-se, vestiu o roupão, sentou-se no sofá e acendeu um cigarro.

Ele, como habitual, sem palavra nem gesto, foi comer uma maçã e sentou-se ao computador. Dizem que foi trabalhar.

Ela voltou a sentir a seiva sem contenção, ferida, descontrolada, sem saber se era noite ou dia.

Mas também o que é que isso interessa?