Amei-te muito, sim, amei-te desde o princípio do tempo,
desde que o mundo começou a ser mundo: revelação total, febre secreta a
iluminar o corpo, a abrir caminhos que mais ninguém conhecera antes de nós, a
acender-te no sexo mais do que o sexo, a percorrer em ti, pela primeira vez,
todos os corpos de todas os homens que desejara até esse momento. Todos os rapazes
que nunca tivera, todos subitamente concentradas em ti, nesse amor fora do
tempo e do espaço, como se só na tua pele a minha fosse lume. Quando é assim,
não vale a pena perguntar nada ou iludir o destino com as armadilhas da razão:
estavas ali e tudo se explicava, numa lógica cega cuja certeza não admitia
hesitações. Por isso nos pareceu tão natural esse amor infinitamente maior do
que todos os pequenos sonhos que a sociedade nos ensina a cultivar, para que
todos os afectos se meçam por uma escala humana. A nossa paixão não se
comportava assim, sempre foi muito mais do que humana, fazia-nos atravessar o
vazio do mundo como se cada um dos nossos passos pressentisse o abismo e ao
mesmo tempo o ignorasse. Foi há oito anos que nos apaixonámos, unidos por um
mistério sem medida real, fieis a essa voz omnisciente que nos falava, viciados
num oxigénio que respirávamos um do outro para nos salvar a vida. Respiração
boca a boca, ar incandescente. Como se fosse inesgotável e nos invadisse a
boca, a garganta, os pulmões cheios de sol, nas madrugadas que passávamos
dentro do carro, um com o outro e um no outro, cada noite mais perto do nosso
infinito. Foi há oito anos, meu amor.
Adaptação de F.P.A.